JUAZEIRO DO NORTE, NA ÉPOCA, TABULEIRO GRANDE.

JUAZEIRO DO NORTE, NA ÉPOCA, TABULEIRO GRANDE.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

CABRA MARCADO PARA MORRER : LUTA DAS LIGAS CAMPONESAS

RESUMO
Este artigo vem a estampar o filme Cabra Marcado para Morrer, e em seguida é feita uma discussão teórica, com alguns autores elecandos na disciplina de História do Brasil IV, que tem a frente a professora Francisca Anselmo . Tais autores são: Caio Navarro Toledo, Marcos Napolitano e José Murilo de Carvalho. Em fevereiro de 1964 inicia-se a produção de Cabra Marcado Para Morrer, que contaria a história política do líder da liga camponesa de Sapé (Paraíba), João Pedro Teixeira, assassinado em 1962. No entanto, com o golpe de 31 de março, as forças militares cercam a locação no engenho da Galiléia e interrompem as filmagens. Dezessete anos depois, o diretor Eduardo Coutinho volta à região e reencontra a viúva de João Pedro, Elisabeth Teixeira - que até então vivia na clandestinidade - e muitos dos outros camponeses que haviam atuado no filme antes brutalmente interrompido. 
Palavras-chave: Ligas Camponesas, UNE, Regime Militar.
INTRODUÇÃO
                As Ligas Camponesas vinham sendo criadas desde meados dos anos 50 com o objetivo de conscientizar e mobilizar o trabalhador rural na defesa da reforma agrária. Durante o governo de João Goulart (1961-64), o número dessas associações cresceu muito e, junto com elas, também se multiplicavam os sindicatos rurais. Os camponeses, organizados nessas ligas ou em sindicatos ganharam mais força política para exigir melhores condições de vida e de trabalho. Toledo explana:
O reformismo nacionalista constituiu a grande utopia do final dos anos 50 e início dos anos 60. Se no Congresso Nacional o principal baluarte do movimento reformista era a FPN-Frente Nacional Parlamentar, na sociedade civil foram as organizações de trabalhadores urbanos e rurais aquelas que mais se comprometeram com a proposta de transformar o subdesenvolvimento nacional em desenvolvimento. Essas organizações empenharam-se na luta pela efetização de políticas públicas reformistas e pela promulgação de leis protecionistas das riquezas naturais, bem como dos investimentos do capital nacional . (TOLEDO, 1997, p.61).
                A renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961, após apenas sete meses de governo, abriu uma grave crise política, já que seu vice, João Goulart, não era aceito pela UDN e pelos militares, que o acusavam de promover agitação social e de ser simpático ao comunismo. Assim como esses setores eram contrários à posse de Jango, existiam outros que defendiam o cumprimento da Constituição, como o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola.
                O impasse foi resolvido com a adoção do regime parlamentarista de governo, aprovado pelo Congresso. Com esse regime, Jango era apenas chefe de Estado, sendo que o poder efetivo de decisão estava nas mãos de um primeiro-ministro escolhido pelos deputados e senadores.
                Diante da crise econômica, o regime parlamentarista imposto pelos conservadores, se mostrava ineficiente, com a sucessão de vários primeiros-ministros, sem que a crise fosse atenuada. Esse cenário fortalecerá o restabelecimento do presidencialismo, conquistado através de um plebiscito em 6 de janeiro de 1963. Reassumindo a plenitude de seus poderes, Jango lançou as reformas de base apoiadas por grupos nacionalistas e de esquerda. Elas incluíam a reforma agrária, a reforma do sistema bancário, a reforma tributária e a reforma eleitoral. Segundo Carvalho:
 Como em 1937, o rápido aumento da participação política levou em 1964 a uma reação defensiva e á imposição de um regime ditatorial em que os direitos civis e políticos foram restringidos pela violência. Os dois períodos se assemelham ainda pela ênfase dada aos direitos sociais, agora estendidos aos trabalhadores rurais, e pela forte atuação do Estado na promoção do desenvolvimento econômico. Pelo lado político, a diferença entre eles foi a manutenção das eleições no regime implantado em 1964  .(CARVALHO, 2002, p. 157).
                Muitos comícios foram organizados em apoio às reformas, destacando-se um comício-gigante realizado na Central do Brasil do Rio de Janeiro em 13 de março. A mobilização popular nos comícios assustava as elites que, articuladas com as forças armadas e apoiadas pelos setores mais conservadores da Igreja, desferiram um golpe de Estado em 31 de março de 1964.
                No dia seguinte, o controle dos militares sobre o país era total e, no dia 4, Goulart se auto-exilou no Uruguai, sem impor qualquer resistência aos golpistas, temendo talvez o início de uma guerra civil no país.
                Iniciava-se assim um dos períodos mais obscuros da história do Brasil, com 21 anos de ditadura militar que promoveu uma violenta onda de repressão sobre os movimentos de oposição, além de ter gerado uma maior concentração de renda, agravando a questão social, produzindo mais fome e miséria. Os "anos de chumbo" da ditadura ocorreram após o AI5 (Ato Institucional número 5), no final do governo Costa e Silva (1968), estendendo-se por todo governo Médici (1969-1974).
O PAPEL DA UNE
                Desde o ano de 1962, a União Nacional do Estudantes-UNE, ao elaborar o seu manifesto, continha a necessidade da reforma universitária, também ensejavam um projeto político-cultural, através de seu Centro Popular de Cultura-CPC-a UNE volante,  onde visavam estampar os reais problemas sociais e políticos do Brasil, através da esferas artisticas, tal quais, o cinema, arte e a música, revestidos de uma roupagem nacional popular. Grande parte destes membros, segundo Napolitano, eram oriundos do Partido Comunista do Brasil, e ainda:
Eram jovens, quase sempre estudantes e artistas os que se articularam, a partir de 1961, em torno da UNE, e passaram a defender que a entidade tivesse uma política cultural mais atuante. O ponto comum entre eles era defesa do nacional-popular, expressão que designava, ao mesmo tempo, uma cultura política e uma cultura política e uma política cultural das esquerdas, cujo sentido poderia ser traduzido na busca de expressão simbólica da nacionalidade, que não deveria ser reduzida ao regional folclorizado (que representava uma parte da nação), nem com padrões universais da cultura humanística-como na cultura das elites burguesas, por exemplo . (NAPOLITANO, 2001, P. 37).
                Dentro dessa perspectiva o cinema poderia ser utilizado com elemento de condução ideológica em busca das massas e de tentar trazer a opinião pública em geral em torno dos reais problemas que passava a população brasileira no início dos anos 60. Como pano de fundo, o CPC da UNE vai elencar as lutas dos camponeses nordestinos, em particular no Estado da Paraíba, na cidade de Sapé, Zona da Mata nordestina, nas nascentes ligas camponesas.
                Ao passo que a UNE vai conduzindo sua bandeira, através da arte cinematográfica, vai encontrar um clima socil político hostil, em virtude da implantação do Regime Militar de 64, que não só extingue os partidos de esquerda, como também persegue e fecha os diversos aparelhos ideológicos, a exemplo do cinema, que possam contrariar a política de controle das massas. CARVALHO  (2002) enaltece: Os órgãos estudantis e sindicais também foram alvo da ação repressiva. Nesse sentido, o CPC da UNE consegue gravar as primeiras cenas de Cabra Marcado Para Morrer, sendo impedido pelas forças de repressão do regime autoritário de 64.
CABRA MARCADO PARA MORRER
                A partir de abril de 1962, O CPC da UNE volante faz uma incursão sobre Nordeste tentando montar sua primeira cenografia ideológica através de um longa metragem, mostrando a situação social e política brasileira, tendo como pano de fundo, a luta dos agricultores, na Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas-Liga Camponesa, no município de Sapé, Estado da Paraíba. 
                A região foi descoberta pela UNE, devido a história da luta dos trabalhadores camponeses contra os grandes proprietários de terras, que eram explorados sob aumento no valor de foros, trabalho obrigatório sem pagamento, despejo sem idenização e violência contra os trabalhadores. A UNE volante, através do diretor Eduardo Coutinho, teria encontrado alí um fato histórico de vital inportância para o início de suas filmagens.
                Coutinho toma conhecimento que, em fins de março de 1962, aconteceu um crime de grande impacto, quando o agricultor João Pedro Teixeira, de 44 anos de idade, fundador e líder da Liga Camponesa de Sapé, que possuía mais de 7.000 sócios, foi assassinado a mando de propritários terras daquela região. João Pedro forjou a unidade dos agricultores contra a exploração dos grandes laifundiários.
                Após uma prévia pesquisa, o CPC da UNE, faz uma série de entrevistas, e resolve montar o roteiro do filme. A principal protagonista é a viúva Elizabeth Teixeira, esposa de João Pedro, e consequentemente de atores locais, sendo que muito deles participaravam dos movimentos das Ligas Camponesas de Sapé. O local das filmagens, é também no próprio teatro dos acontecimentos, onde João Pedro atuava como líder. Segundo proposta do CPC da UNE indaga Napolitano:
O procedimento de criação sujerida visava o artista intelectual engajado para a busca de inspiração nas "regras e modelos dos símbolos e critérios de apreciação" das classes populares (camponeses, operários) portadores inconscientes da expressão genuinamente nacional. O objetivo era facilitar a comunicação com as massas, mesmo com o prejuízo da sua expressão artística, a partir de procedimentos básicos: 1) adaptando-se aos efeitos da fala do povo; 2) submetendo-se aos imperativos ideológicos populares; 3) entendendo a linguagem como meio e não como fim . NAPOLITANO (2001, pág. 39).
                O início do longa metragem Cabra Marcado para morrer começa com a mostragem de algumas imagens de cenas de cidades interioranas do Nordeste brasileiro, ou seja, de feiras livres, garotos coletando carangueijos, com um cenário de pobreza extremamente causticante. Como fundo musical o CPC faz uma adpatação de uma das músicas do LP O Povo Canta, de Carlos Lyra e Francisco de Assis, fazendo parte também de um dos canais ideológicos produzidos pela UNE, na utilização da musica como instrumento de comunicação com as massas. Detalhes da música pesquisado no site do jornalista Franklin Martins :
 “O Brasil é uma terra de amores,
Alcatifada de flores,
Onde a brisa fala amores,
Nas lindas tardes de abril.
Correi pras bandas do Sul.
Debaixo de um céu de anil,
Encontrareis um gigante deitado:
Santa Cruz, hoje o Brasil.
Mas um dia o gigante despertou (ooaahhh!).
Deixou de ser gigante adormecido.
E dele um anão se levantou.
Era um país subdesenvolvido
Subdesenvolvido, subdesenvolvido, subdesenvolvido, subdesenvolvido (bis)
E passado o período colonial,
O país passou a ser um bom quintal.
E depois de dada a conta a Portugal
Instalou-se o latifúndio nacional .. (Ai)
Subdesenvolvido, subdesenvolvido, subdesenvolvido, subdesenvolvido.
Então o bravo brasileiro (iehéé),
Em perigos e guerras esforçados (iehéé),
Mais que prometia a força humana
Plantou couve, colheu banana.
Bravo esforço do povo brasileiro
Mandou vir capital lá do estrangeiro.
Subdesenvolvido, subdesenvolvido, subdesenvolvido, subdesenvolvido.
As nações do mundo para cá mandaram
Seus capitais tão desinteressados.
As nações coitadas só queriam ajudar, não é?
Aquela ilha velha não roubou ninguém,
País de poucas terras só nos fez um bem
Um Big Ben
Um big ben , bom, bem, bom
Nos deu luz (ah)
Tirou ouro (oh)
Nos deu trem (ah)
Mas levou o nosso tesouro
Subdesenvolvido, subdesenvolvido, subdesenvolvido, subdesenvolvido.
Mas data houve em que se acabaram os tempos duros e sofridos
Porque um dia aqui chegaram os capitais dos países amigos.
País amigo, desenvolvido,
País amigo, país amigo,
Amigo do subdesenvolvido
País amigo, país amigo.
E os nossos amigos americanos
Com muita fé, com muita fé,
Nos deram dinheiro e nos plantamos
Só café, só café.
É uma terra em que se plantando tudo dá.
Pode-se plantar tudo que quiser
Mas eles resolveram que nos devíamos plantar
Só café, só café
Bento que bento o frade, frade.
Na boca do forno, forno.
Tirai um bolo, bolo
Fareis tudo que seu mestre mandar?
Faremos todos, faremos todos, faremos todos.
Começaram a nos vender e nos comprar.
Comprar borracha, vender pneu.
Comprar minério, vender navio.
Pra nossa vela, vender pavio.
Só mandaram o que sobrou de lá:
Matéria plástica, que entusiástica,
Que coisa elástica, que coisa drástica,
Rock balada, filme de mocinho,
Ar refrigerado e chiclete de bola (pop)
E coca cola.
Subdesenvolvido, subdesenvolvido, subdesenvolvido, subdesenvolvido.
O povo brasileiro tem personalidade.
Não se impressiona com facilidade
Embora pense como americano
“Uuuuuuu, I’m going to kill that indian before he kills me (pinim...)
Embora dance como americano
Ta-ta-ta-ta, ta-ta-ta-ta
Embora cante como americano
Eh boi, lá, lá, lá,
Eh roçado bão, lá, lá, lá,
O melhor do meu sertão, lá, lá, lá
Comeram o boi.
O povo brasileiro, embora pense, cante e dance como americano
Não come como americano,
Não bebe como americano,
Vive menos, sofre mais
Isso é muito importante
Muito mais do que importante
Pois difere o brasileiro dos demais
Personalidade, personalidade, personalidade sem igual,
Porém,
Subdesenvolvida, subdesenvolvida,
Essa é que é a vida nacional.”
Autor: Carlos Lyra e Francisco de Assis
Intérprete: CPC da UNE
                Napolitano comenta:
"O Subdesenvolvido", a música mais famosa do LP, tematiza as agressões imperialistas sofridas pelo Brasil, construindo-se como uma espécie de suite (fado, marcha, valsa, fox e rock balada) cortada pelo bordão "subdesenvolvido", cantado em coro. A letra oscila entre a denúncia e o deboche, remetendo á tradição do teatro de revisa carioca (aliás, uma das fontes de certas canções engajadas daquele período) . NAPOLITANO (2001, p. 39).
                O projeto para a realização das filmagens em Sapé foi cancelado devido a realização um conflito entre empregados de uma usina e de camponeses, em 15 de janeiro de 1964. A Polícia Militar da Paraíba entra em cena, faz algumas prisões, e registra a morte de camponeses. Coutinho se ver obrigado a mudar o palco de sua cenografia para a região de Vitória de Santo Antão, no Estado do Pernambuco, distante cinquenta quilômetros do Recife, no histórico Engenho de Galileia, teatro de um dos principais movimentos de luta pela posse da terra, e de onde nasceu a primeira Liga Camponesa , em 1955.
                Em 26 de fevereiro de 1964, já em Pernambuco, começa o trabalho de filmagem. Pouco tempo depois, há 35 dias, já começado o roteiro do filme, estoura o regime militar em 31 de março de 1964. Dada a proposta do papel ideológico de Cabra Marcado para Morrer, que visava denunciar os maus tratos dos latifundiários contra os camponeses e a inércia do governo, que culminava naquele momento com a Ditadura dos militares, foi o bastante para ser apreendida as películas e a prisão de membros do CPC da UNE. Carvalho indaga:
A censura á imprensa eliminou a liberdade de opinião; não havia liberdade de reunião; os partidos eram regulados e controlados pelo governo; os sindicatos estavam sob constante ameaça de intervenção; era proibido fazer greves; o direito de defesa era cerceado pelas prisões arbitrárias; a justiça militar julgava crimes civis; a inviolabilidade do lar e da correspondência não existia; a integridade física era violada pela tortura nos cárceres do governo; o próprio direito à vida era desrespeitado. As famílias de muitas das vítimas até hoje não tiveram esclarecidas as circunstâncias das mortes e os locais de sepultamento. Foram anos de sobressalto e medo, em que os órgãos de informação e segurança agiam sem nenhum controle . CARVALHO (2002, pág. 165).
                Instaurado o regime de exceção começou o expurgo de elementos contra o sistema autoritário. Grande parte dos membros da UNE tinham formação ideológica de esquerda, principalmente oriundos do PCB - Partido Comunista Brasileiro. Como uma das justificativas utilizadas para a instauração do regime de 64 foi justamente o perigo comunista, não restava dúvida para o governo vigente que a UNE tornava-se uma tormenta para a aprovação de seus atos institucionais.
                Alguns dos negativos foram escondidos, enviados ao  laboratório no Rio de Janeiro, como também de algumas fotografias de cena. Com a abertura política no final da Ditadura, Eduardo Coutinho ver a possibilidade de dar continuidade ao seu projeto de filmagem, quando ressuscita Cabra Marcado para Morrer, em fevereiro de 1981, depois de um corte de dezessete anos,.
                A partir deste momento a equipe do CPC da UNE, depois de ter sofrido na clandestinidade, agonizando enquanto durou o regime militar, ainda com o diretor Eduardo Coutinho, começa outra maratona, em busca dos possíveis atores da primeira proposta do filme, o que vai ser difícil, em virtude da morte de alguns membros do período.
                Numa tentativa de reconstituir o seu projeto original, Coutinho retorna a região do Engenho Galileia, e na busca de entrevistar alguns possíveis atores da época, acaba se aprofundando na história do movimento da Liga, do papel desta, como coadjuvante na criação de outra ligas de camponesas na região.  Acaba também por descobrir nomes de grande envergadura, a exemplo do Advogado Francisco Julião, grande defensor nas lutas das ligas camponesas na região do Pernambuco.
                Coutinho faz uma corrida exaustiva, pois o Regime militar de 64 teria acabado com as tentativas de lutas dos camponeses, além da prática de muita prisão, muitos elementos daqueles movimentos tiveram que abandonar suas terras natal, e se refugiados em outros lugares do país, a exemplo da viúva Elisabeth Teixeira, que vai ser encontrada na Paraíba, no município de São Rafael, com o nome de batismo negado, utilizando-se de um pseudônimo de Marta Maria da Costa. Acompanhada de um de seus filhos, que é radialista na região. Elisabete Teixeira ainda guarda remorso de ser descoberta, em virtude do mal psicológico que os governos militares implantaram sob seus aparelhos repressores durante o seu regime de opressão.
                A tentativa de continuar o projeto de Cabra Marcado para Morrer de Coutinho, acabou o  levando a recolher uma série de depoimentos de atores da primeira filmagem. Em lugares distantes e diferentes, tais depoimentos serviram para fazer juntada ao primeiro roteiro. Recheados de experiências negativas, aqueles depoentes expuseram suas repulsas, seus tormentos, suas percas de familiares assassinadas pelo governo, como também do cerceamento de seus sonhos e possibilidades de terem uma vida melhor, numa região profundamente marcada pelas desigualdades sociais.
                Mesmo num momento em que as liberdades democráticas começavam a serem recuperadas, e que alguns  conceitos anteriores já começavam a ser revisados, a exemplo do papel do socialismo, Eduardo Coutinho continua na sua empreitada. Mesmo que tivesse acontecido a mudança de alguns conceitos, o que na verdade continuava e de forma crescente eram a miséria, a fome, o desemprego, a exploração no campo, o que encorajava Coutinho a continuar seu projeto. Cabra Marcado para morrer ainda tinha validade histórica, pela continuidade dos mesmos problemas sociais e econômicos, por todo o Brasil.
                Os militares legaram ao país uma dívida externa de crescimento estratosférico, e um processo de desigualdade cada vez maior, e uma inflação que encarecia as classes mais pobres, e principalmente ao homem do campo. Mesmo com conquistas sociais o regime militar repassou a sociedade civil, no processo de redemocratização, um país profundamente esfacelado na sua economia e com problemas crônicos na sua esfera social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
                Cabra marcado para morrer tem uma importância muito grande para o acervo memorial do Brasil, pelo fato de estampar os nossos traumas políticos, que alteram drasticamente a vida das pessoas em sociedade.
                Ao analisarmos um documentário dessa amplitude, enxergamos a gama de possibilidades políticas que foram  reprimidas  e que podiam ter mudado o quadro social do povo de uma forma geral.
                Observamos também, de onde nasce certos preconceitos, certas marginalizações, que por tanto tempo ficou na mente da sociedade brasileira, mesmo com a abertura política em 1979. Ainda hoje, os movimentos de reivindicação na luta pela posse da terra,  da moradia, por exemplo, ainda são marginalizados pela mídia, que os tratam como elementos subversivos a ordem pública em geral.
                Além da importância memorialística, Cabra Marcado para Morrer, tem um papel de mais-valia, para ser visualizado, principalmente pelo nosso público estudantil, que é tão carente da história dos movimentos populares. O processo de luta da classe trabalhadora, seja na cidade, seja no campo, tem continuidade histórica, mudando apenas de atores no decorrer do tempo.
                A medida que se dar continuidade ao processo de desigualdade social no interior de uma sociedade, vão também surgir as diversas formas de reação, que dependem das armas que estas podem utilizar para conseguirem seus intentos. Naquele recorte histórico, período da ditadura de 64, o elenco de Cabra Marcado para Morrer, as armas de reação seriam o a ideologia, a luta "sindical" (sob forma de ligas), e a principal arma que era o voto, más que foram brutalmente cerceados.
                Ao olharmos a conjuntura atual de nossa sociedade brasileira, vemos que por causas da luta destes e de outros no período ditatorial, quando lutaram, foram presos e até morreram, e resultou no restabelecimento de nossa possibilidade de lutar, que são as liberdades democráticas e de imprensa (ideologia). Aqui perguntamos, o que podemos fazer com essas armas tidas de volta para que possamos lutar pela redução das desigualdades em nossa atual sociedade? Findamos com a tentativa de provocar o debate acerca do nosso papel junto aos problemas sociais de então. 
( Artigo publicado pelos alunos: Arlindo, Marcos, Janielide, Adriano, Sandra, Anderson e Gislaine do 8º Semestre do Curso de História - Noite- 2010).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 3.ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002.
COUTINHO, Eduardo. Cabra Marcado para Morrer: Documentário. 120 min. Brasil, Globo Vídeo, 1984.
 NAPOLITANO, Marcos. Cultura brasileira: utopia e massificação (1950-1980). São Paulo: Contexto, 2001.
WWW.franklinmartins.com.br : Acesso em 12 de julho de 2010.
TOLEDO, Caio Navarro (Org.). 1964: Visões críticas do golpe: democracia e reforma do populismo. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1997.

A HISTÓRIA NA MÚSICA DOS ANOS 80 E 90

A HISTÓRIA NA MÚSICA DOS ANOS 80 E 90
RESUMO
O presente artigo vem a colocar em destaque o papel da História na música nos 80 e 90 do século passado, no Brasil. Serão analisadas as origens das bandas e dos cantores individuais no período acima citado, e discutidos qual a influência dos aspectos sociais, políticos e econômicos, de características nacionais e externas, que influenciaram a escrita da letra das músicas do período, caracterizados pelos modos se vestir e pelas atitudes de rebeldia social, registradas principalmente pela mídia televisiva. Nesses aspectos serão dado ênfase, principalmente, a mais divulgada característica musical do anos 80, que foi o Rock Nacional; bem como a perca de expressão desse estilo musical nos anos 90, e a explosão de um diversificado número de expressões musicais com estilos deferentes, a exemplo da música sertaneja, do samba, do pagode, do axé, funk,  e outras variantes da música popular brasileira. Dessa forma será analisado quais os fatores históricos que permitiram essas transformações na música brasileira no período descrito.
Palavras-Chave: História, Música, Rock nacional, MPB, anos 80 e 90.
INTRODUÇÃO
                Nas décadas de 1980 e 1990 começam a fazer sucesso novos estilos musicais, que recebiam fortes influências do exterior. São as décadas do rock, do punk e da new wave. O show Rock in Rio, do início dos anos 80, serviu para impulsionar o rock nacional. Com uma temática fortemente urbana e tratando de temas sociais, juvenis e amorosos, surgem várias bandas musicais. É deste período o grupo Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Titãs, Kid Abelha, RPM, Plebe Rude, Ultraje a Rigor, Capital Inicial, Engenheiros do Hawaii, Ira! e Barão Vermelho. Também fazem sucesso: Cazuza, Rita Lee, Lulu Santos, Marina Lima, Lobão, Cássia Eller, Zeca Pagodinho e Raul Seixas. Os anos 90 também são marcados pelo crescimento e sucesso da música sertaneja ou country. Neste contexto, com um forte caráter romântico, despontam no cenário musical: Chitãozinho e Xororó, Zezé di Camargo e Luciano, Leandro e Leonardo e João Paulo e Daniel. Nesta época, no cenário rap destacam-se: Gabriel, o Pensador, O Rappa, Planet Hemp, Racionais MCs e Pavilhão 9.
                Necessário se faz colocar que, ao se destacar o papel do rock nos anos 80, principalmente, que existiam outras possibilidades musicais, a exemplo do samba, do sertanejo, do forró, bolsa nova, isto é, de outros elementos de uma forma geral que formaram a música popular brasileira. Agora, quanto expressão da maioria, o rock invadiu a vida da pessoas, principalmente da juventude, e foi elemento de suporte de crítica social e de demonstração de rebeldia, de modos de vida urbano, caracterizados pelo inchaço das grandes cidades.
                Na década de 1990, o rock diminui o seu papel de preponderância, em virtude de acontecimentos sociais que aqui serão discutidos, que levaram a ganhar destaque elementos musicais da Música brasileira, a exemplo da música sertaneja, dos grupos de rap, forrós, axé, pagode e uma miscelânea de ritmos, que deram aos anos 90 uma nova roupagem em termos de renovação e repercussão musical.
                Frisa-se ainda que, o rock dos anos 80 é uma continuidade das deformações que sofreram o movimento musical denominado de tropicália nos anos 70, e se contrapunha aos grandes talentos musicais da MPB, caracterizando-se já como movimento de rebeldia.
                O referente estudo estará dividido em algumas seções, onde serão discutidos: as dificuldades epistemológicas quanto ao uso de fontes que tratem da música quanto elemento historiográfico; o momento antecessor da musica do anos 80 e 90; características da música nos anos 80; as letras das músicas quanto expressão da vida social; e transformações sociais e as mudanças de estilos musicais nos anos 90.
DIFICULDADES NO USO DE FONTES
                Para tratar de temas relacionados a música dentro dos estudos historiográficos, o pesquisador encontra uma série de contrapontos, em virtude do opaco número de trabalhos atinentes a temática, onde a historiografia abriu maior espaço de estudos relacionados a História de caráter Político, econômico e social. Para Moraes (2000):
Todavia, tais investigações raramente têm ocorrido e por diversas razões. Normalmente, os trabalhos historiográficos que tratam de desvendar as relações entre história, música e produção do conhecimento enfrentam uma série de interminável de dificuldades (que de maneira geral também são aquelas enfrentadas por boa parte dos historiadores). Isto é, a dispersão das fontes, a desorganização dos arquivos, a falta de especialistas e estudos específicos, escassez de apoio institucional etc. Por isso, as pesquisas, não raro, acabam resumindo-se a trabalhos individuais de campo e de arquivos isolados de quaisquer investigações sistemáticas e de longa duração. Com relação à música popular urbana moderna, os problemas ganham nova e grave dimensão, ampliando e dificultando em todos os sentidos o desenvolvimento das pesquisas. As universidades e agências financiadoras tradicionalmente menosprezaram as pesquisas em torno dessa temática. Quando cederam espaços às investigações sobre a música popular, sempre o fizeram quando havia relações ou com a música erudita ou a folclórica, delimitando-as exclusivamente a esses respectivos departamentos e núcleos. Durante muito tempo as pesquisas que fugiam dessas variantes eram encaradas com relativo desprezo. De certa forma, E. Hobsbawn, no seu interessante trabalho sobre história social do jazz (em que se escondeu sob o pseudônimo de Francis Newton por vários anos), identificou, no início dos anos 60, essa situação de descrédito acadêmico ao analisar as transformações da cultura e da música popular urbana no final do século XIX. Ele dizia que “a segunda metade do século XIX foi, em todo o mundo, um período revolucionário nas artes populares, embora este fato tenha passado despercebido daqueles observadores eruditos mais esnobes e ortodoxos” MORAES (2000, p. 205).
                Convergindo com Moraes (2009), Napolitano afirma:
Quanto às fontes primárias, uma breve observação final: os estudos de música popular no Brasil devem realizar um trabalho urgente de ampliação do corpus documental que vem sustentando as pesquisas. Algumas recorrências documentais revelam uma certa dificuldade em ampliar as bases heurísticas dos estudos relativos à música brasileira. A maioria dos trabalhos ainda é dependente, em grande parte, de memórias e depoimentos dos protagonistas (músicos, intérpretes, compositores, produtores, jornalistas e críticos). No caso da produção acadêmica, acima de tudo da área de Letras e Linguística, os autores se restringem a um corpus muito delimitado de canções, geralmente aquelas consagradas pelo cancioneiro popular. Faltam ainda estudos monográficos que realizem um levantamento exaustivo da obra fonográfica dos compositores e estilos. Geralmente, o levantamento da obra de compositores e intérpretes tem sido feito por colecionadores e jornalistas, sendo que boa parte está disponível na internet . NAPOLITANO (2006, p. 149).
                Ciente de tais adversidades cabe ao historiador atual refletir, e com isso problematizar a história com outras possibilidades de análise, já que toda ação humana merece uma olhar historiográfico, pois todo ser humano faz parte de um contexto histórico de amplitudes globais, que se interligam com outras histórias.
MOMENTO ANTECESSOR DA MÚSICA NOS ANOS 80 E 90.
                O período que antecedeu a música brasileira nos anos 80 e 90, foi marcado por um processo de acontecimentos globais e nacionais, inteiramente ligados a um processo político e econômico, que muito influenciaram nas mudanças ocorridas não somente no campo musical, como também das artes em geral. Segundo as análises de Zan (2001):
A fase que se estendeu de 1969 até meados dos anos 80 foi marcada pela consolidação da industria cultural e a constituição de um mercado de bens simbólicos no país, processos impulsionados pela política de modernização conservadora da economia brasileira (ORTIZ, 1988), que acabou por transformar a "promessa de socialização em massificação da cultura" (RIDENTE, 200: 13). Cresceram, nesse período, os investimentos estrangeiros na indústria fonográfica, ao mesmo tempo em que se registrou forte expansão do mercado de fonogramas (MORELLI, 1991). Houve o reaparelhamento desse setor com maior especialização das funções e aprofundamento da divisão de trabalhos no interior da industria de disco. Foi uma época marcada pela consolidação dos departamentos de marketing nas gravadoras e pela implantação dos grandes estúdios. Em 1972, por iniciativa do grupo econômico que mantém os jornais O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde e a Rádio Eldorado, foi construído o estúdio Eldorado, em São Paulo, na época o único estúdio de 16 canais do Brasil e o mais moderno da América Latina. Nos anos seguintes, gravadoras de grande porte montaram estúdios com padrões semelhantes. Com isso, reduziu-se a defasagem tecnológica entre a produção fonográfica brasileira e a dos países desenvolvidos. Os sinais de intensificação da mundialização da cultura tornava-se mais evidentes (ORTIZ, 1994). Paralelamente, aprofundou-se a segmentação do mercado fonográfico . ZAN (2001, p. 116).  
                Com tais circunstâncias no final dos anos 70, a Música, que tinha ascensão e o esplendor da MPB, ao lado do movimento tropicalista, vai abrir caminhos para uma nova inserção cultural, o Rock Brasileiro dos anos 80.
Em 68, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa,Tom Zé, Nara Leão, os Mutantes ,mais os poetas Capinam e Torquato Neto, fazem a “Tropicália”. O movimento era uma antropofagia musical que misturava desde guitarra elétrica a berimbau. No entanto, a postura roqueira, no sentido comportamental, dos tropicalistas, não foi entendida pela turma da MPB da época. “Curiosamente, quem primeiro viu o rock como inimigo não foram os generais, mas os universitários. Num mundo estreitado pelo maniqueísmo esquerda/direita, não havia lugar para uma música que desse conta da complexidade do Brasil: quem não estava engajado em canções de protesto ou pesquisas “de raiz” estava alienado, estava jogando contra”. Da Tropicália saem os Mutantes, banda formada por Rita Lee e os irmãos Arnaldo e Sérgio Dias Baptista que começam a despontar no final dos anos 60 .
                A princípio o nascente Rock do anos 80, é caracterizado como música independente, pois fugia dos requisitos preestabelecidos da MPB, onde a letra tinha que ser ligada ao protesto político e social que marcou a fase musical anti regime militar de 1964.
CARACTERÍSTICA MUSICAL NOS ANOS 80
                A década de 1980 vai de cara com o rompimento da música brasileira marcada pela pura crítica ao regime militar e a sociedade, caracterizada como música de protesto, e abrir caminhos para a inovação de temáticas do cotidiano, puramente marcada pela vida urbana das grandes cidades. Nesse período existiu uma forte inspiração da música internacional, onde o rock nascente vai tentar fugir, até mesmo das formas rítmicas musicais tão presente no movimento tropicália dos anos anteriores, que reunia expressões musicais nacionais dos mais variados rincões do Brasil. Pryston (2002) explana:
Fazendo uma brevíssima síntese da cultura audiovisual brasileira nas últimas décadas, teríamos, então, esse primeiro pós-moderno - o dos anos 80 - que assimila o discurso do pós-modernismo (principalmente norte-americano) e os aspectos mais superficiais da pós-modernidade (até por sua condição de país periférico, de modernização lenta e incompleta) para contrapor-se ao nacionalismo retrógrado, ao autoexotismo folclorizante . PRYSTHON (2002, p.09)
                Fugindo do estilos nacionais a música brasileira dos anos 80, vai ganhar uma nova roupagem através de novas letra e de novos estilos musicais, e denominada de rock nacional. No site do Portal da Educação do Colégio Pedro II está descrito:
O rock brasileiro da década de 80 é também considerado por muitos como pop rock nacional dos anos 80. Foi um movimento musical que surgiu já no início daquela década. Ganhou o apelido de BRock do jornalista Nelson Motta. O BRock se caracterizou por influências variadas, indo desde a chamada new wave, passando pelo punk e pela música pop emergente do final da década de 70. Em alguns casos, tomou por referência ritmos como o reggae e a soul music. Suas letras falam na maioria das vezes sobre amores perdidos ou bem sucedidos, não deixando de abordar é claro algumas temáticas sociais. O grande diferencial das bandas deste período era a capacidade de falar sobre estes assuntos sem deixar a música tomar um peso emocional ou político exagerados. Fora a capacidade que seus integrantes tinham de falar a respeito de quase tudo com um tom de ironia, outra característica marcante do movimento. Outra particularidade típica foi o visual próprio da época; cabelos armados ou bastante curtos para as meninas, gel, roupas coloridas e extravagantes para os meninos e a unissexualidade de tudo isso, herança direta do Glam Rock de Marc Bolan, David Bowie e seus discípulos, como o Kiss e o The Cure . (p.14).
                É necessário colocarmos que o Rock pop nacional dos anos 80 não foi a única possibilidade da música no período, pois paralelo a esse movimento de características urbanas, resistiam formas de expressões musicais diversas, más que ficavam reconhecidos apenas de caráter regional. Ulhôa (1997) afirma:
(...) Nos anos 80, este mesmo público estaria consumindo o chamado Rock Brasileiro, enquanto a maior parte da população, {87} o chamado “povão”, de uma migração recente do campo para a cidade, consome o primeiro gênero de massa a se estabelecer no Brasil, a Música Sertaneja . Ao lado da urbanização acrescente-se fatores que são em parte decorrentes deste novo cenário nas cidades (maior exposição aos meios de comunicação de massa, novos padrões de sociabilidade) e em parte decorrentes de estratégias de ampliação de mercado (preço decrescente de aparelhos de som, gravadores, televisores e mecanismos de facilitação de crédito) . ULHÔA (1997, p. 05).
                É nesse contexto que se constituirão a maioria das produções musicais da música brasileira nos anos 80, denominados de Rock Nacional do anos 80.
AS LETRAS DAS MÚSICAS E A EXPRESSÃO DA VIDA SOCIAL
 “Agente não quer só comer
Agente quer comer, quer fazer amor
Agente não quer só comer
Agente quer prazer pra aliviar a dor
Agente não quer só dinheiro
Agente quer dinheiro e felicidade”
(Titãs, “comida”,1987)
                Nos anos 80, o Brasil passou por uma crise econômica ligada diretamente as políticas implementadas durante a Ditadura Militar. Esse modelo econômico dos anos 60-70, que foi financiado por empréstimos do exterior, começou a entrar em crise já no final da década de 70 e junto com o agravamento político e social, foi a causa de grandes protestos no campo e nas cidades. Foi quando começou o processo de abertura política que conduziu á reestruturação democrática.
                 A transição democrática no Brasil começou em 1974, com as eleições diretas para governador, a elaboração de uma constituição democrática em 1988 e, finalmente, nas eleições diretas para presidente em 1989. Ao longo desse anos de transição democrática, o Brasil foi conduzido a um enorme endividamento externo e interno com altas taxas de inflação, apesar das frustradas tentativas dos últimos governos em acabar com os problemas econômicos. Entre tentativas estava o chamado Plano Cruzado (1986). Diante desses graves problemas o jovem brasileiro se mostrava participativo, apesar da ala estudantil, representada pela UNE, estivesse desmobilizada e desorganizada, presa a divergências internas, fruto, em parte, da própria repressão desencadeada pelos militares desde o final da década de 60.
                Uma parte dessa juventude se engajou em movimentos ecológicos, que então se proliferavam pelo pais. O quadro era de crise no campo social, econômico e político, porém, no campo cultural, especialmente na música, havia uma explosão de talento representada pelo Rock nacional brasileiro através de músicos e bandas que são um extremo sucesso até os dias de hoje. Havia, então, um crescimento e a concretização de um mercado para a juventude que fez do rock um dos principais meios de expressão e análise em relação á situação por que passava o Brasil. O surgimento do Rock na década de 80 foi marcado por dois acontecimentos básicos: O aparecimento do grupo do jornalista Júlio Barroso – Gang 90 e Absurdetes-, que fez da musica Perdidos na Selva o primeiro sucesso do país, através do festival da MPB –Shell (1981), produzido pela Globo, e o surgimento da Banda Blitz, com o sucesso “você não soube me amar” (1982). Ambos foram influenciados pelos movimentos NEW WAVE norte-americano.              Depois disso, os grupos de rock brasileiros foram se multiplicando em grande proporção, acompanhando a explosão do mercado nacional para esse tipo de musica, através da grandes gravadoras ou selos independentes.
“Eu minha gata
Rolando na relva
Rolava de tudo
Humildes piratas, pirados
Perdidos na selva...”
(Gang 90 e os Absurdetes, “Perdidos na Selva”,1981)
                Os punks paulistas, que tinham iniciado seu movimento na década passada, gravaram o seu primeiro disco, uma coletânea chamada “Gritos Suburbanos”(1982), reunindo grupos como Inocentes, Olho Seco, e Cólera, pelo selo independente Punk Rock. Além disso, no mesmo ano, os punks conseguiram realizar o controvertido festival “O começo do fim do mundo”, em São Paulo, chamando a tenção para esse movimento de jovens, em sua maioria, suburbanos. Assim como no resto do mundo, os punks paulistas acabaram abrindo caminho para o surgimento de novas bandas. È quando aparecem vários grupos de extrema importância e influência para o rock jovem brasileiro: Voluntários da Pátria, Mercenárias, Smack, Fellini, Akira S., Ultraje a rigor, Ira!, Titãs, entre outros, apesar de nem todos alcançarem sucesso nacional. A musica Inútil, de Roger Rocha Moreira, da banda Ultraje a Rigor, se tornou uma espécie de hino político da juventude durante a campanha das “Diretas-já”.
“A gente não sabemos escolher presidente
A gente não sabemos tomar conta da gente
A gente nem sabemos escovar os dentes
Tem gringo pensando que nós é indigente
Inútil
A gente somos inútil...”
(Ultrage a Rigor-1983)
                Ao contrário de São Paulo, o rock carioca, pela própria de grupos como Gang 90 e Blitz, surgiu a partir de new iê-iê-iê , com nomes como Lulu Santos, Ritchie, Lobão e os Ronaldos, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, entre outros. Apesar de mais leve e festivo, dando ênfase a cações românticas de cunho pessoal – que demonstravam a maneira de amar dos jovens dos anos 80 - não deixaram de cantar a realidade nacional.
“(...) Desempregado, despejado
Sem ter onde cair morto
Endividado, sem ter mais
Com o que pagar
Nesse país, nesse país, nesse país
Que alguém te disse que era nosso.
Mandaram avisar
Que agora tudo mudou
Eu quis acreditar
Outra mudança chegou.
Fim da censura, do dinheiro
Muda da censura, do dinheiro
Muda nome, corta zero
Entra na fila de
Outra fila pra pagar
Quero entender, quero entender
Tudo o que eu posso
E o que não posso”.
(Paralamas do Sucesso, “Perplexo”,1988)

"Procuro evitar comparações
Entre flores e declarações
Eu tento te esquecer
A minha vida continua
Mas é certo que eu seria
Sempre sua
Quem pode entender
Depois de você
Os outros são os outros
E só...”.
(Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, “Os outros”,1986)
“Já não tenho dedos pra contar
De quantos barracos despenquei
E quantas pedras me atiraram
Ou quantas atirei
Tanta farpa tanta mentira
Tanta falta do que dizer
Nem sempre é “só easy” se viver.
(...) Mas o teu amor me cura
De uma louca qualquer
E encostar no teu peito
E se isso for algum defeito
Por mim, tudo bem.
(Lulu Santos,”Tudo bem”,1985)
                O público jovem do Rock in Rio, presenteado com a inclusão do Brasil no circuito internacional da musica pop. Em 1985 a presença do Rock nacional e internacional se afirmou de vez no mercado brasileiro com um grande evento comercial, o “Rock in Rio”, apresentando astro nacionais (Rita Lee, Blitz, Paralamas do Sucesso, entre outros) e internacionais ( do porte de Rod Stewart, B52s, Nina Hagen, Yes, Iron Maiden, AC/DC, etc.) de várias tendências. Apesar das críticas quanto ao ecletismo e á comercialização feita em torno do festival, esse evento musical de dez dias acabou revelando o Brasil, como um amplo mercado jovem a ser explorado, principalmente pelos nomes internacionais, em suas turnês mundiais, com o patrocínio de grandes empresas nacionais e multinacionais. È dentro desse contexto de efervescência do mercado da musica pop no país que surge o grupo paulista RPM, primeiro grande mito comercial do rock nacional, após conseguir em poucos meses atingir a venda de um milhão de cópias de LP Rádio Pirata ao vivo (1986):
(...) Juram que não torturam ninguém
Agem assim por seu próprio bem
São tão legais, fora
Da lei, sabem tudo o que
Eu não sei, e eu nesse
Mundo assim, vendo esse
Filme passar ....
(RPM,”Alvorada Voraz”,1986)
                Outras bandas, de outros estados brasileiros, também se tornaram unanimidade nacional, como: Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial, de Brasília; o grupo baiano Camisa de Vênus; e as bandas gaúchas Replicantes, Engenheiros do Havaí e De Falla, Essas e outras bandas iriam mostrar que o rock nacional não se restringia ao eixo Rio-São Paulo. Vejam exemplos de bandas brasiliense e gaúcha:
“(...) Quem me dera, ao menos uma vez
Explicar o que ninguém consegue entender
Que o que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente
Quem me dera, ao menos uma vez,
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
Fala demais por não ter nada a dizer
Quem me dera, ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto como o mais importante
Mas nos deram espelhos
E vimos um mundo doente...”.
(Legião Urbana,”Índios”,1986)

“Eu presto atenção no que eles dizem
Mas eles não dizem nada
Fidel e Pinochet tiram sarro de você
Que não faz nada
E eu começo a achar normal
Que algum boçal atire
Bombas na embaixada
Se tudo passa, talvez passe por aqui
E me faça, esquecer tudo o que eu vi
Toda forma de poder
É uma forma de morre por nada
Toda forma de conduta
Se transforma numa luta armada
A história se repete
Mas a força deixa a história
Mal contada.
(Engenheiros do Havaí, “Toda forma de poder”,1986)
                Outro exemplo marcante dos anos 80, foram as composições de Cazuza, refletindo também o próprio desencanto da juventude com a nova realidade vivida:
"Meu partido, é um coração partido
Minhas ilusões, estão todas perdidas
Os meus sonhos foram vendidos
Tão baratos que eu nem acredito (...)
Que aquele garoto que ia
Mudar o mundo, mudar o
Mundo...agora assiste a tudo
De cima do muro".
(Cazuza,”Ideologia”,1988)
                Concomitantes ao processo de inovação nas audiovisuais em geral, e em particular da música, a confecção das letras de tais trabalhos nos anos 80 serão marcados, não somente pela crítica ao sistema político, como também aos modos urbanos de vida, a religião, etc. Paralelo as essas inovações desponta um cenário econômico favorável ao desenvolvimento de diversos estilos musicais, pelo barateamento e acesso ao mercado produtor de discos em geral. Zan (2001) afirma:
O período que corresponde aos anos 80 e 90 foi marcado pelo advento de novas tecnologias na área fonográfica que levaram ao barateamento do processo de produção. Os custos para a montagem de pequenos estúdios, em condições de realizar gravações de qualidade, tornaram-se mais acessíveis. Consequentemente, multiplicaram-se pequenas gravadoras (Indies), selos e artistas independentes. A indústria fonográfica sofreu uma reestruturação. As grandes gravadoras (Majors) passaram a terceirizar serviços, convertendo-se, geralmente, em escritórios executivos. Simultaneamente, reforçaram o controle sobre a divulgação e a distribuição de fonogramas para garantirem o monopólio do mercado. Nesse contexto, as experiências com lançamentos de novos gêneros e novos artistas passam a ser feitas, em geral, por pequenas gravadoras e selos independentes . ZAN (2001, p. 117).
                Inúmeras são as bandas que surgiram nos anos 80, tais: Camisa de Vênus (Eu não matei Joana D´Arc); Herva Doce (Erva venenosa); Plebe Rude (Até quando esperar); Absyntho (Ursinho Blau Blau); Afrodeite de quiser (O que é que ela tem qeu não tenho?); Brylho (Noite do prazer); Conexão Japeri (Manoel); Dr. Silvana & Cia. (Eh! Oh!); Egotrip (Viagem ao fundo do ego); Espírito da coisa (Ligeiramente grávida); Faust Fawcett e os Robôs Efêmeros (Kátia Flávia); Gang 90 e as Absurdetes (Nosso louco amor); Grafite (Mamma Maria); Heróis da Resistência (Só pro meu prazer); Inimigos do Rei (Adelaide); João Penca e os miquinhos amestrados (Lágrimas de crocodilo); Magazine (Eu sou boy); Metrô (Beat acelerado); Sempre livre (Fui eu); Tokyo (Garota de Berlim); Uns e outros (Carta aos missionários);  Zero (Agora eu sei); Gengis Khan (Moskou); Rádio Táxi (Eva); Trio Los Angeles (Transas e caretas); Yahoo (Mordida de amor); Ratos de porão; Cólera; Inocentes; Replicantes; Hanói-Hanói; Cinema a dois, e etc.
                Cita-se também as bandas de mais notáveis: Engenheiros do Havaí, Legião Urbana, Barão Vermelho, Titãs, Paralamas do Sucesso, RPM, Ira e Capital Inicial.
                Com tais circunstâncias nasceram bandas e artistas solos, utilizando de várias linguagens. Ribeiro (2005, p. 57) vem a teorizar sobre o fenômeno musical dos anos 80, afirmando que a Banda Camisa de Vênus, por exemplo, de origem baiana, vai polemizar com os principais meios de comunicação da Bahia ao assumir uma atitude punk iconoclasta direcionada contra os defensores de uma visão emepebista, o que é evidenciado na música “Passamos por isto” (CAMISA DE VÊNUS, 1983) (que termina, em tom de paródia, com um solo canhestro do tradicional choro “Brasileirinho”, seguido de risadas), do primeiro álbum de sua banda, Camisa de Vênus (1983):
O ambiente é tão sério
Não há lugar para ação
“Vê se conserva suas raízes”, eles disseram
“Camisa de Vênus é alienação”

“Vocês vão obedecer”, eles disseram
“Vocês vão entender”, eles disseram
“Vocês vão aprender, a curtir MPB!”

E me falaram dos perigos
Que eu encontraria aqui
Enquanto os mestres do bom gosto
Botavam samba pra eu ouvir
“Vocês vão obedecer”
“Vocês vão entender”
“Vocês vão aprender, a curtir MPB!”
[solo]
Eles têm medo do que não entendem
Eles gritaram: “Isto não é música, é barulho
Vocês não vão a lugar nenhum com isso.”
Hmhmhmhmhm, seus otários! Nós atropelamos vocês!
Nós passamos por isso
Quiseram mudar nosso nome
Deixar tudo arrumadinho
Nos deram até a liberdade
De tocar Brasileirinho
“Vocês vão obedecer”
“Vocês vão entender”
“Vocês vão aprender, a curtir MPB!”
Vá curtir MPB, e vá curtir MPB
e vá curtir MPB. VÁ CURTIR! 
                Ribeiro (2005) expõe as palavras de  Marcelo Nova, líder da banda Camisa de Vênus, e Edgard Scandurra, (um dos melhores instrumentistas da cena roqueira), através de entrevistas (recentes), seus pontos de vista sobre a conduta adotada em suas músicas:
Me fascinava no punk a possibilidade de que alguém como eu, sem experiência pregressa, sem carteira assinada, fizesse sua parte. [...] Quanto aos dogmas, quanto ao “punk unido jamais será vencido”, ao coturno e ao casaco de couro, nunca me identifiquei. Movimento? Que movimento? O único movimento em que acredito é o das marés, que enchem e vazam. (MARCELO NOVA apud ALEXANDRE, 2002, p. 65). Eu e o Nasi [vocalista do conjunto] tivemos acesso ao punk praticamente assim que ele surgiu e nos identificamos de pronto com o visual. Posso dizer que foi muito legal para mim, pois tive que desaprender muita coisa e acostumar a fazer rock ’n’ roll mais básico. Então, o Ira! nunca foi banda cem por cento punk no que diz respeito a bando de garotos que não sabem tocar. [...] Perto das bandas punks que tinham na época, soávamos como uma profissional e, por esse lado, éramos meio criticados pelo circuito que não admitia solo de guitarra numa música e muito backing vocal – influência mod15. (EDGARD SCANDURRA apud BRYAN, 2004, p. 79) . RIBEIRO (2005, p. 38).
                Continua Ribeiro (2005):
No Brasil, abrangeram uma maioria que assumiu uma postura pop – ou seja, que optou por uma música mais convencional e comercial – uma minoria que desejava fazer música de “vanguarda” (em São Paulo essa opção foi mais visível) e também grupos que cultivavam uma atitude rebelde, por vezes “niilista” (caso dos góticos e punks do “circuito underground paulistano”). Mas o pós-punk e a new wave são vistos como derivativos do punk principalmente por seus adeptos – ainda que mais “comportados” e preocupados em fazer algumas experimentações formais e letras mais elaboradas – também enfatizarem uma nova “atitude despojada dos jovens”, agora sob uma aura de (pós) modernidade. É o que diz, por exemplo, a matéria escrita pelo então jornalista Júlio Barroso – um dos agitadores mais citados da nova “cena roqueira” que se instaurava no país e futuro líder da “pioneira” Gang 90 & as Absurdettes, que se tornaria relativamente conhecida em 1981 com a música “Perdidos na selva” (“Eu e minha gata rolando na relva/ Rolava de tudo/ Covil de piratas pirados/ Perdidos na selva”) – na revista Veja de 18 de fevereiro de 1981, sobre a explosão da new wave na Inglaterra e Estados Unidos e seus ecos ainda tímidos no Brasil: Ousar é preciso: uma geração de roqueiros sacode a música internacional e decreta o início de uma nova onda. O clima para as pessoas que se envolveram com a new wave, a mais recente explosão musical americana, é semelhante ao do início dos anos 60: existe no ar uma urgência de renovação, uma aposta política no inusitado, uma certeza de que nada será como antes. Assim como nos anos 60, a música popular é a porta-bandeira da mudança – o veículo que mais fundo penetra no cotidiano cultural das multidões. Mas o movimento que explode atualmente entre os jovens americanos e ingleses, batizado de new wave (nova onda), tem propostas bem diferentes das de vinte anos atrás. Nada de filosofias, como a hippie, e nem de sociedades separatistas ou fugas para o campo. A ordem é encarar a sociedade estabelecida e, utilizando os próprios meios que ela oferece, criar esquemas alternativos de vida. Trabalhar de 9 às 6? Claro. Mas sem abandonar a centelha de inquietação da juventude. A new wave – como dizem os que nela estão envolvidos – é uma questão de ousar estilos. Hoje, além de ressuscitar o rock como manifestação cultural dos jovens, a new wave invade a moda, os costumes, o comportamento e o lazer da garotada americana e da Europa ocidental, ordenando tudo o que é alternativo e inesperado. [...] O movimento conquista espaços caros, como o La Luna, de Milão [...] e mesmo a Paulicéia Desvairada, de São Paulo. Nesses locais, misturam-se dança, música ao vivo, vídeo-arte e fliperamas, numa interminável orgia multimídia. Na new wave, enfim, não existem regras estilísticas ou formais: cada artista contribui com sua própria visão de modernidade. (BARROSO, Veja de 18 fevereiro de 1981) . RIBEIRO (2005, p. 41,42).
                A reaproximação do rock nacional que se considerava longe da MPB, vai acontecer a partir de 1985, com o maior acontecimento do musical brasileiro dos anos 80, o Rock in Rio. Segundo Ribeiro (2005):
 O festival Rock in Rio, realizado entre 11 a 20 de janeiro de 1985, no “rockódromo” construído em Jacarepaguá, é percebido como um divisor de águas para o “rock brasileiro”. Pela primeira vez o país recebeu uma constelação de artistas pop/rock de renome internacional – James Taylor, Queen, Rod Stewart, Nina Hagen, Yes, Iron Maiden, Pretenders, B-52s, AC/DC –, algo que se tornaria corriqueiro desde então. Eles dividiram os holofotes com alguns dos conjuntos autóctones emergentes – Blitz, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Lulu Santos, Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens; com roqueiros nacionais de outras gerações – Erasmo Carlos, Rita Lee, Moraes Moreira, Eduardo Dusek, Pepeu Gomes & Baby Consuelo; e também com músicos identificados com a MPB – os casos de Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Elba Ramalho e Alceu Valença, chamados a participar na festa roqueira, entre outros motivos, devido à desconfiança que os organizadores do festival nutriam sobre a capacidade técnica da maior parte dos novos grupos nacionais (foram sentidas as ausências, entre outros, de Lobão, Titãs e Ultraje a Rigor). O Rock in Rio se tornou a grande coqueluche da mídia brasileira – a Rede Globo o transmitiu diariamente em versões editadas, com os melhores momentos – e alçou de vez o rock como “modismo” no país. Segundo depoimentos e análises jornalísticas, toda essa exposição fez com que a indústria do disco e as emissoras FM adotassem o gênero como principal linguagem a ser veiculada . RIBEIRO (2005, p. 61, 62).
                A partir deste acontecimento a música brasileira irá se encontrar, em todas suas formas rítmicas, e os anos 90 será o coroamento dessa união, que marcará a reaproximação de uma música de caráter nacional e regional, numa busca de identidade perdida.
MUDANÇAS NO ESTILO MUSICAL NOS ANOS 90
                A década de 90 será marcada pelo afloramento de diversos gêneros da Música Popular Brasileira. Esse reavivamento é marcado por uma série de acontecimentos socioeconômicos, que influenciarão notadamente as artes, com a música em particular. Prysthon (2002) faz uma análise sobre o referido período:
No Brasil, depois de uma década na qual de certa forma não parecia interessar muito demonstrar ser brasileiro” e a busca da identidade nacional reverberava numa espécie de vazio, os anos 90 representam menos uma drástica mudança e mais um gradual amadurecimento do cosmopolitismo pós-moderno e uma retomada dos preceitos culturais elaborados pelo modernismo. São muitos os fatores que contribuem para esta retomada. Mesmo influências que poderiam ser consideradas marginais, imperceptíveis. Primeiro, as próprias tendências mundiais (paradoxalmente saídas dos centros metropolitanos) rumo a uma valorização do ex-cêntrico, do periférico, do marginal (Bhabha, 1998). Todo os novos paradigmas filosóficos e sociológicos trazidos à tona pelas teorias pós-coloniais, embora de maneira muito lateral e específica, abalam hegemonias, ou dizendo melhor, redefinem o próprio conceito de hegemonia . PRYSTHON (2002, p.01,02).
                A essas mudanças na cultura brasileira, Prynston (2002) ainda afirma:
A cultura brasileira nos anos 90 vai mostrando uma forte inclinação para o passado, vai se definindo como matéria reciclada não apenas na teoria, mas na sua materialidade cotidiana. Muitas vezes essa rearticulação da tradição pode ser o sinal de uma nostalgia, o sintoma de uma saudade cultural: a afirmação de uma identidade nacional. Como também pode ser a explicitação de um diálogo dessa tradição com a modernidade, pode ser a subversão da idéia de identidade nacional tendo em vista um cosmopolitismo ex-cêntrico. O passado, a tradição, a História passam a ser material fundamental de todas as esferas da cultura brasileira — talvez um pouco em oposição aos anos 80, quando o pós-moderno era predominantemente território da palavra impressa, aqui nos anos 90 há uma maior penetração desse segundo pós-modernismo em todas as áreas —, especialmente da cultura popular: música popular, cinema, televisão, teatro e mesmo literatura são invadidos por uma vontade de revisitar o que constitui a(s) diferença(s) da cultura brasileira . PRYSTHON (2002, p. 02)..
                Dessa forma irão surgir uma miscelânea de estilos musicais, e o rock dos anos 80 vai perdendo a sua repercussão de preponderância em relação aos demais estilos, e como isso, vão surgir outros estilos musicais urbanos. Ribeiro (2005) analisa tais mudanças nos anos 90:
A centelha do rock nacional, que incendiou o país nos anos 80 e logo se transformou na principal força renovadora da música brasileira, aportou na década de 90 em fogo brando. Não que o rock nacional tenha acabado ou que a maioria do público tenha migrado para outros gêneros. O que deixou de existir foi o rock como movimento, como espelho de comportamento para os jovens, como gênero que monopolizava as atenções com muito barulho e uma dose bem-vinda de irreverência em relação aos medalhões da MPB. Essa saudável iconoclastia acabava injetando vida nova ao pasmacento panorama musical do início da década. Hoje, o rock ficou comportado, enquadrou-se nos padrões de vendagem da indústria do disco e ocupa apenas a fatia que lhe cabe na programação das rádios e gravadoras, assim como o gênero sertanejo, a MPB ou a música romântica. O rock brasileiro ainda produz cruzeiros e boas músicas – hoje revezam-se Legião Urbana, Titãs e Paralamas do Sucesso, da mesma forma que no plano das cantoras, há um rodízio entre Simone, Maria Bethânia e Gal Costa. Mas a velha chama se apagou. [...] Os jovens, embora continuem a lotar os shows de rock como ótimos programas de fins de semana, já não se vestem como seus ídolos ou procuram imitá-los, como nos áureos tempos do RPM . RIBEIRO (2005, p.136).
                Vicente (2005) também faz uma avaliação sobre o cenário musical nos anos 90:

Embora entre no início dos 80 tenha, como vimos, sido esboçado um projeto de produção musical independente no país, foi só nos anos 90 que essa cena mostrou-se vigorosa o suficiente para substituir a grande indústria nas tarefas de prospecção, formação e gravação de novos artistas. Mas não foram unicamente os fatores tecnológicos que propiciaram esse ressurgimento: também dessa vez a crise da indústria
teve um papel decisivo pois, privilegiando desde o final dos anos 80 o sertanejo e a música romântica, além de severamente atingida pela recessão de 1990, a indústria demonstrava pouco interesse por segmentos como o rock e a MPB ou por artistas que não apresentassem vendagens expressivas. Assim, em 1991, nomes como “Tim Maia, Tetê Spíndola, Quarteto em Cy, Belchior, Guinga, Hélio Delmiro e Vinícius Cantuária... só conseguiram gravar bancando o próprio trabalho”18. Paralelamente, a partir de selos independentes de diferentes pontos do país começavam a surgir novos nomes no cenário do pop/rock nacional como Racionais MC´s (Zimbabwe), Raimundos (Banguela Records) e Sepultura (Eldorado e, depois, Cogumelo), entre outros.  VICENTE (2005, p. 07).
                Com o afloramento do processo de industrialização de discos denominados de selos independentes, a música brasileira passa a ampliar seu número de bandas e cantores, de diversos ritmos. Vicente (2005), ainda reporta:
Assim, entendo poder afirmar que, ao longo dos anos 90, foi se constituindo uma nova “ecologia” do mercado, com as gravadoras independentes passando a preencher um espaço não mais ocupado pelas majors, cuidando tanto da formação de novos artistas quanto da prospecção e atendimento a segmentos musicais emergentes ou de mercado muito restrito . VICENTE (2005, p. 07).
                Ao estampar tais fatores é compreensível a finalização da preponderância do Rock no final dos anos 80, e a possibilidade de outras estilos musicais nos anos 90, marcados pelas mudanças econômicas e sociais que marcaram as últimas décadas do século XX. Abaixo um trecho da música de uma banda de Rap, no início nos anos 90:
"Eu vou dizer porque o mundo é assim.
Poderia ser melhor mas ele é tão ruim.
Tempos difíceis, está difícil viver.
Procuramos um motivo vivo, mas ninguém sabe dizer.
Milhões de pessoas boas morrem de fome.
E o culpado, condenado disto é o próprio homem.
O domínio está em mão de poderosos, mentirosos.
Que não querem saber.
Porcos, nos querem todos mortos.
Pessoas trabalham o mês inteiro.
Se cansam, se esgotam, por pouco dinheiro.
Enquanto tantos outros nada trabalham.
Só atrapalham e ainda falam.
Que as coisas melhoraram.
Ao invés de fazerem algo necessário.
Ao contrário, iludem, enganam otários.
Prometem 100%, prometem mentindo, fingindo, traindo.
E na verdade, de nós estão rindo.
Tempos... Tempos difíceis!" (4x)
(Tempos Difíceis Racionais, Racionais, 1990).
                No começo dos anos 90, Thaíde e DJ Hum e os Racionais eram reconhecidos com os mais sérios e importantes nomes do rap paulistano, sempre envolvidos com campanhas de conscientização da juventude e movimentos de divulgação, unificação e promoção do hip hop no Brasil.
                Em 1993, quando lançou seu terceiro LP, Raio X Brasil, os Racionais eram uma unanimidade na periferia, atraindo até 10 mil pessoas por show, e foram convidados para abrir a apresentação paulistana do Public Enemy, um dos mais importantes grupos do rap americano. As músicas desse disco independente – em especial Fim de Semana no Parque e Homem na Estrada – conseguiram furar o bloqueio das rádios, levando o nome da banda a um público que talvez nem suspeitasse haver músicas de tal contundência. Logo, foi editado pela Continental um CD reunindo as músicas dos três discos dos Racionais.
                Naquela mesma época, surgiu no Rio de Janeiro uma inesperada força do rap: o adolescente branco de classe média alta Gabriel Contino, vulgo Gabriel o Pensador, que estourou no final de 1992 nas rádios com a música Tô Feliz, Matei o Presidente, direcionada para Fernando Collor, que havia acabado de renunciar em meio a um processo de Impeachment por corrupção.
"Atirei o pau no rato
Mas o rato não morreu
Dona Rosane, admirou-se do ferrão
Três-oitão que apareceu
Todo mundo bateu palma quando o corpo caiu
Eu acabava de matar o Presidente do Brasil
Fácil um tiro só
Bem no olho do safado
Que morreu ali mesmo
Todo ensanguentado
Quê? Saí voado com a polícia atrás de mim
E enquanto eu fugia eu pensava bem assim:
"Tinha que ter tirado uma foto na hora em que o sangue espirrou
Pra mostrar pros meus filhos
Que lindo, pô"
Eu tava emocionado mas corri pra valer
E consegui escapar
Ah tá pensando o quê?
E quando eu chego em casa
O que eu vejo na TV?
Primeira dama chorando perguntando (Por quê?)
Ah! Dona Rosane dá um tempo num enche num
fode"
(Tô Feliz: Matei O Presidente, 1992, Gabriel Pensador.)
                Os anos 90 vão ser marcados pela difusão de uma miscelânea de estilos musicais diferentes, e mesmo com o período do fim da Ditadura Militar, e a abertura política, alguns grupos, a exemplo do Rap e do Rock nacional, ainda continuam a criticar a organização social e política do Brasil.
                Paralelos a esses estilos houve uma explosão de sucesso de outros ritmos, a exemplo do axé baiano, do sertanejo, do samba, do pagode, e de outros elementos que formaram a MPB nos anos 90. O diferencial das letras de tais vertentes era a não mais preocupação em criticar o modelo sociopolítico brasileiro. No início dos anos 90, Chitãozinho & Xororó conseguiram atingir o primeiro lugar da parada latina da revista americana Billboard com uma música que foi tema de uma novela:
" É dia de sol radiante
Manhã tão linda de primavera
É ave buscando o ninho
Pelo caminho de uma quimera
Um sonho, uma esperança
É o que guarda em seu coração
Menina, mulher, amiga
E sempre crê no amor
Assim é ela
Guadalupe"
(Guadalupe, Chitãozinho & Xororó,1990)
                O exemplo acima, de música sertaneja, como uma nova possibilidade em vendas de discos, vai ser marcado pela própria situação do panorama do desenvolvimento tecnológico, e de uma ampla abertura da economia brasileira, nos anos 90, para o processo de globalização, em particular com o presidente Collor. A esse respeito indaga Herschmann e Kishinhevsky (2005):
Além disso, não podemos deixar de ressaltar o impacto da disseminação da tecnologia eletrônica (e digital) no mundo pop, especialmente a partir dos anos 90, quando proliferaram os chamados “projetos”. A tendência da música faceless (ou seja,
artistas “sem rosto”, ocultos por trás de uma parafernália tecnológica) acabou barateando os custos de produção das gravadoras e propiciou uma explosão de novos selos especializados.  HERSCHMANN e KISHINHEVSKY (2005, p. 10).
                Como já foi amplamente explanado, o efeito de internacionalização da economia brasileira, interferindo na industria de disco,  a partir dos anos 90, também com o fim do regime militar, influenciaram a aparição de bandas e artistas que se mantiveram sem notoriedade publicitária nos anos anteriores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
                Ao analisarmos a História e a Música nos anos 80 e 90, observamos uma série de acontecimentos, que se interligam e que expressam através das letras das  músicas o momento histórico vivido pela sociedade, no período delimitado.
                Dessa forma somos capazes de compreender a sociedade brasileira nos anos 80 e 90, que através da trajetória da cultura musical, sofre influências de fatores vividos pelo panorama internacional, principalmente pelos fatores econômicos externos, emanados por um processo de globalização que intervém na maior parte do mundo, principalmente aos países ligados a uma economia de mercado.
                Observamos nesta pesquisa que os anos  80 no Brasil, sofre influência do processo denominado de pós-modernismo, que intervém nas artes audiovisuais, provocada por um processo de urbanismo  acelerado, onde o padrão de vida é fortemente influenciado pelo modo de vida norte-americano. E tal fator é evidente na formação dos novos artistas musicais no período.
                Concomitante a estes fatores, aumentam as possibilidades de crítica ao agonizante regime militar no início da década de 80, através dos repertórios musicais, além de existir uma exaltação aos elementos pós modernos, representados pela disseminação da tecnoeletrônica, pelas obras arquitetônicas verticais, isto é, da exaltação da vida "urbanóide". Nos anos 80, o regime militar já estar em distensão, e  diferente dos anos anteriores, a música ganha novas possibilidades de descrever a realidade social, ao contrário da censura, pelo qual foram vitimados os movimentos musicais de protestos dos anos 70.
                A música nos anos 80 além de se configurar como música de protesto, caracteriza-se como música de exaltação a vida pós moderna, e tenta romper com o nacionalismo tropicalista antropofágico dos anos 70, e é amplamente divulgado pela mídia nacional, pelo qual se denominou Rock Nacional dos anos 80. Paralelo a isso, tem que ser descrito o papel da difusão das gravadoras de selos independentes "Indies" que nos anos 90, vai abrir uma série de possibilidades, facilitados pela amplitude do mercado fonográfico.
                Nos anos 90, as "Majors" gravadoras que monopolizavam o mercado fonográfico, vão ser esfaceladas pelo papel do processo crescente de globalização da economia, e do incremento da informatização da música, e com isso há uma ampliação de possibilidades musicais, surgindo uma série de cantores e bandas de diferentes estilos.
                Além dessas mudanças no mercado fonográfico, vai haver uma mudança na temática das letras das músicas, onde o nacionalismo bucólico volta a entrar em cena, e a Música Popular Brasileira, começa a trilhar caminhos e possibilidades diferentes.
                Tais possibilidades são observadas no serial de estilos, tais Rap, Funk, axé, sertanejo, pagode, samba, forró, frevo, gospel e outros, não mais centrado num estilo predominante, a exemplo do Rock nos anos 80.
(Artigo publicado na Disciplina de História do Brasil IV no 8º Semestre de História Urca-Noite, 2010: Arlindo, Marcos, Janileide, Sandra, Gislaine, Anderson e Adriano).
 REFERÊNCIAS
HERSCHMANN, M. ; KISHINHEVSKY, Marcelo . A indústria da música - uma crise anunciada. In: Congresso Brasileiro de Comunicação -Intercom 2005, 2005, Rio de Janeiro. Anais do XXVIII Congresso Brasileiro de Comunicação. Rio de Janeiro : Intercom, 2005. v. 01. p. 200-212.
MORAES, J. G. V. . História e Música: a canção popular e o conhecimento histórico. Revista Brasileira de História, SP, v. 20, n. 39, p. 203-221, 2000.
NAPOLITANO, M.A historiografia da Música Popular Brasileira: síntese bibliográfica e desafios atuais da pesquisa histórica. ArtCultura (UFU), v. 8, p. 135-150, 2006.
PRYSTHON, Â. F. . Rearticulando a tradição: rápido panorama do audiovisual brasileiro nos anos 90. Contracampo (UFF), Rio de Janeiro, v. 7, p. 65-78, 2002.
RIBEIRO, Júlio Naves De lugar nenhuma a Bora Bora: identidades e fronteiras simbólicas nas narrativas do “rock brasileiro dos anos 80” / Júlio Naves Ribeiro.Rio de Janeiro:UFRJ/PPGSA, 2005.
ULHÔA, M. T. . Nova História, Velhos Sons: Notas Para Ouvir e Pensar A Música Brasileira Popular. Debates (UNIRIO), Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 78-101, 1997.
VICENTE, E.A Música Independente no Brasil: uma reflexão. In: XXVIII Congresso Brasileiro de Ciencias da Comunicação, 2005, Rio de Janeiro, 2005.
Zan, José Roberto . Música popular brasileira, indústria cultural e identidade. Eccos. Revista Científica, são Paulo, v. 3, n. 1, p. 105-122, 2001.
SITES NA INTERNET
LETRAS.terra.com.br - Acesso em 20 de agosto de 2010.
PT.wikipedia.org- Acesso em 08 de agosto de 2010.
WWW.dancaderuabrasil.co.cc - Acesso em 21 de agosto de 2010.
WWW.intercom.org.br/congresso - Acesso em 01 de setembro de 2010.
WWW.portaledumusicalcp2.mus.br Acesso em 01 de setembro de 2010.